Personagens
 

João Carlos Bello Lisbôa

Um homem à frente do seu tempo

João Carlos Bello Lisbôa era natural de Ipiranga, Vassouras, Estado do Rio de Janeiro, filho de Antônio Bello Lisbôa, agente da estação da Estrada de Ferro Central do Brasil, em Ipiranga, e de Dona Anna do Amaral Abreu e Silva. Nasceu em 18 de agosto de 1892 e ficou órfão de pai antes de completar um ano de idade, sob os cuidados da sua jovem mãe, então com 17 anos, grávida de seis meses de seu irmão Antônio Carlos.

Embora parente de figuras importantes na história da nossa pátria, como Joaquim Marques Lisbôa, Marquês de Tamandaré; Luiz Alves de Lima e Silva, Duque de Caxias, filho de Francisco de Lima e Silva e de Dona Marianna Cândido de Oliveira Bello; José Antônio Lisbôa, Conselheiro e Ministro de Dom Pedro I; Capitão Francisco Marques Lisbôa, Marechal e Senador da República; e Miguel Maria Lisbôa, Barão de Japurá; nasceu pobre e deve ter passado privações.

Sua mãe, que passou a costurar para sobreviver, contraiu novas núpcias, quatro anos mais tarde (2/12/1897), com Manoel Botelho de Souza Raposo, pessoa boníssima, que lhe deu mais dez filhos: Ondina, Rubens, Oswaldo, Sebastiana, José, Irma, Hélio, Sebastião, Maria José e Luiz Gonzaga, dos quais sobreviveram sete.

O pequeno João, desde cedo, mostrou firme determinação de ser alguém na vida, para o que não mediu esforços.

Em Juiz de Fora, na Academia do Comércio, embora desprovido de meios, buscou oportunidade de dar prosseguimento aos seus estudos. Os padres, inteirados da situação, viram com bons olhos aquele rapazinho ávido de saber e concederam-lhe 5% de desconto nas taxas escolares, com possibilidade de melhora, de acordo com seu aproveitamento escolar.

Conquistando o primeiro lugar de sua turma, obteve, no ano seguinte, bolsa integral de estudos e a possibilidade de transferir para seu irmão Antônio Carlos, que veio a se tornar oficial superior do exército brasileiro, a bolsa parcial que lhe havia sido dada.

Com o falecimento do seu padrasto, esforçou-se para educar como filhos os sete irmãos do segundo casamento de sua mãe.

De Juiz de Fora, entrou para a Escola de Engenharia de São Paulo, transferindo-se depois, por motivo de saúde, para a Escola Politécnica do Rio de Janeiro, onde terminou o Curso de Engenharia Civil, em 1919, e, no ano anterior, os de Engenharia Industrial, Mecânica e Elétrica. Recebeu, outrossim, graus de agrimensor e de Contador.

Em 1918, secretariou uma comissão de estudos, chefiada pelo Dr. Rodrigues Caldas, nas Índias Inglesas e em outras partes do mundo, interessada em plantas fibrosas e indústrias têxteis.

Por solicitação da Câmara Municipal de Ponte Nova, Minas Gerais, e indicação do Diretor da Escola Politécnica do Rio de Janeiro, seu superior, engenheiro André Gustavo Paulo de Frontin, parte, ao término do seu Curso de Engenharia Civil, em direção a Ponte Nova. Por dois anos consecutivos, executou, com brilhantismo, a reforma urbanística da cidade, dando solução aos problemas de abastecimento de energia elétrica e de calçamento. Construiu diversas obras, dentre as quais as duas primeiras pontes de concreto armado, ainda lá existentes.

Em 1921, em reconhecimento por sua atuação, foi homenageado com a outorga de uma Medalha de Ouro, com os seguintes dizeres: “Ao Dr. Bello Lisbôa. O povo de Ponte Nova – Junho/1921”, acompanhada de um relógio de ouro.

Contratado como Engenheiro do Estado, em 5 de agosto de 1922, por convite do engenheiro Mário Monteiro Machado, assumiu, em 14 de setembro do mesmo ano, a função de engenheiro-auxiliar das obras de Viçosa, iniciadas em 10 de junho, sendo designado engenheiro- chefe em 16 de dezembro do mesmo ano.

Encontrou, de início, entre os 600 operários da construção da Escola, em Viçosa, os horrorosos índices de 90% de analfabetos e 100% de doentes, situação revertida a 0% em 1935, graças a seu empenho e determinação.

Em razão do vulto das obras e da falta de material de construção na região de Viçosa, decidiu criar vários serviços industriais, como uma pedreira, com grande capacidade de produção, diversas olarias, que produziram os mais de dois milhões de tijolos consumidos nas obras, uma serraria, uma carpintaria, uma marcenaria, uma ferraria e uma fábrica de telhas de cimento. A areia consumida nas construções foi toda extraída do subsolo local e todo o mobiliário da nova escola, inclusive o do Salão Nobre, foi feito na obra, assim como todos os ladrilhos, balaustradas, pedras plásticas e incrustações de mármore. Dessa maneira, grande economia foi feita e algumas centenas de brasileiros tiveram a oportunidade de receber ensinamento profissional e ser multiformemente assistidos.

Em 1925, viajou João Carlos Bello Lisbôa a Ponte Nova para casar-se com Maria Conceição Damásio, já escolhida para ser companheira de sua vida e mãe de seus seis filhos: João Maria, Maria do Carmo, Helena Déa, Alfredo Carlos, Regina Célia e José Antônio.

Foi o seu, o primeiro casamento realizado na matriz de Ponte Nova, em final de construção.

Da conferência proferida por Bello Lisbôa, na Sociedade dos Amigos de Alberto Torres, em 19 de setembro de 1941, denominada “Fazenda Organizada”, foram transcritos os seguintes tópicos:

“A 29 de agosto de 1926, tive a ventura de entregar ao povo montanhês e a seu governo, o grande conjunto de obras, previamente projetadas, obedecendo a planos rigorosos, todas construídas visando o grande ideal de educar seguramente as populações rurais e com o dispêndio de apenas 3.054 contos de réis.

Terminando meu compromisso de engenheiro-chefe, supunha que pudesse continuar a minha carreira profissional noutro setor de atividade, entretanto atos imediatos do Governo de Minas fizeram-me professor de Engenharia Rural e ainda substituto do Diretor.

Em fins do ano de 1928, passei a exercer o cargo de Diretor e com a melhor vontade de bem servir a causa rural.

Foram organizadas e postas em pleno funcionamento as múltiplas atividades do estabelecimento, como sejam: Escola Fundamental, Escola Média, Escola Superior de Agricultura, Escola Superior de Veterinária, Cursos Especializados, Estação Experimental, Serviço de Extensão, Ensaios de Ensino Profissional Rural Feminino, Semana dos Fazendeiros, Publicações Agrícolas, Associação de Ex-Alunos, Aperfeiçoamento Rural de Professoras Primárias etc.

A 15 de dezembro de 1935, quando se formou a primeira turma de médicos veterinários, tive a honra de considerar realizada a grande Instituição dos mineiros, a Escola do Brasil, como a denominaram, em memorável ocasião, distintos governadores e congressistas que a visitavam”.

No interesse da Escola, empreendeu, em 1933, viagem de seis meses a diversos países da Europa e aos Estados Unidos da América do Norte, para pesquisar o ensino da agricultura e entabular entendimentos de intercâmbio. Sobre essa viagem, deixou três volumes manuscritos, com anotações diárias sobre cada dia desses seis meses.

Também em 1933, declinou do convite formulado pelo Governador Benedicto Valladares para ocupar o cargo de Secretário da Agricultura, Indústria, Comércio, Trabalho, Viação e Obras Públicas de Minas Gerais, por entender não haver concluído ainda sua obra em Viçosa.

Em 1934, foi-lhe conferido o diploma de engenheiro-agrônomo Honoris Causa , por ato da Congregação da Escola Superior de Agronomia e Medicina Veterinária de Belo Horizonte, ocasião em que, numa conferência, abordou o tema “Educação Seletiva”.

Em 21 de janeiro de 1936, expirado o seu contrato e findada a sua missão, deixou Viçosa para tornar-se proprietário rural e industrial, atividade que exerceu pelo resto de sua vida, apenas ocasionalmente interrompida para cumprir missões especiais, como Prefeito da cidade de Ubá, Prefeito da cidade de Uberaba, Encarregado do Setor de Agricultura da Coordenação da Mobilização Econômica, durante a Segunda Guerra Mundial, e Secretário da Agricultura, Indústria e Comércio do Rio de Janeiro, então Distrito Federal.

Como proprietário e produtor rural, interessou-se, a fundo, por temas como “Socialização em Fazenda” e “Organização Agrária”, antecipando-a e à História. Tentou, através de palestras e conferências, transmitir suas conclusões e sonhou, na década de 50, com a oportunidade de poder transformar em leis o que entendia ser do interesse público, resultado de sua vivência, por muitos anos, como produtor rural. Não conseguiu, todavia, eleger-se para a Câmara Federal.

Veio a falecer no dia 13 de dezem bro de 1973, na cidade de Belo Horizonte.

Dr. João Carlos Bello Lisbôa, modéstia à parte, foi um sonhador bem-sucedido; um lutador leal e honesto, que nutria grande amor pelo Brasil e pelo seu povo; profissional capacitado da engenharia; incansável valorizador da atividade rural, sob vários aspectos; administrador equilibrado e enérgico; e educador por vocação, que almejava o crescimento e melhoramento integral do homem, vale dizer de seus alunos, visando ao seu desempenho global, da melhor forma, no mistério que constitui a vida. Foi cristão por formação e, através de atos, vivenciou a sua fé. Pode-se dizer que foi um felizardo, por haver conseguido concretizar a maioria de seus sonhos e pelo conforto da amizade, do reconhecimento e respeito de quantos com ele conviveram.

Em 1942, integrantes da 14 a Semana do Fazendeiro o homenagearam com a outorga de uma Medalha de Ouro, com a seguinte inscrição: “ESAV – Ao Esaviano n o 1 – Dr. J. C. Bello Lisbôa”.

Em 1969, o Presidente Marechal Castelo Branco outorgou-lhe a Medalha do Mérito Agrícola, em simbólica homenagem à agricultura de Minas Gerais, comenda essa criada no ano anterior pelo Governo Federal, através da Confederação Rural Brasileira.

Também na década de 60 tornou-se, em Ouro Preto , detentor da Medalha da Inconfidência.

Em 7 de setembro de 1985, na Sessão Solene da 50 a Reunião Anual da Associação dos Ex-Alunos da Universidade Federal de Viçosa, de criação por ele estimulada, em 1935, foram pela primeira vez conferidos a Medalha Bello Lisbôa e o Diploma a ela correspondente, então criada pela Universidade para condecorar mestres renomados da Instituição.

Muito significativos são os dizeres de ex-alunos seus e suas esposas, encaminhando-lhe uma fotografia de seu quadro de formatura, por ocasião de uma festividade: “Ao Mestre, Amigo e Segundo Pai, Dr. Bello Lisbôa, como uma recordação dos filhos de 1934” .

Muito confortante foi a mensagem a mim enviada por um ex-aluno seu, integrante da primeira turma de engenheiros-agrônomos diplomados pela ESAV, em 1931, por ocasião de seu falecimento: “Meu caro João Maria – Acabo de saber do falecimento do seu querido Pai, meu Amigo inesquecível e um dos homens mais notáveis de Minas Gerais. Pena que com ele esteja indo tanta coisa boa e grande, abrindo um vazio tremendo. Só agora quando ele desaparece, podemos sentir a grandeza do seu vulto e a perenidade do seu exemplo e do seu espírito, só reverenciáveis, com legitimidade, com um silêncio respeitoso, porque as palavras passam a não ter sentido. A influência que o Dr. Bello teve na minha geração, em Viçosa, não pode ser descrita e todos nós somos o que somos graças ao muito que ele nos transmitiu com a sua presença ímpar. Você pode dizer que teve um grande Pai, e nós, todos os seus alunos, um Mestre inesquecível. Afetuosamente, Paulo Salvo. B. H. 20-12- 73” .

 

João Maria Belo Lisboa
A Universidade Federal de Viçosa no Século XX
Pág. 66-70. 2006. Ed. UFV