Personagens
 

Antônio Secundino de São José

No dia 16 de fevereiro de 1910, nasceu Antônio, filho de Secundino José da Fonseca, agricultor do fundo de sertão, e Balbina Araújo Fonseca. Nasceu na Onça, fazenda e região, no então Santa Rita de Patos, hoje, Presidente Olegário, em Minas Gerais.

Não foi uma infância fácil, porque o menino, apesar de forte e gordo, era dado a umas febres, seguidas de convulsões. Sua mãe, mulher de fé, decidiu entregar o problema a São José. E quando as convulsões cessaram, em torno dos três anos de idade, resolveu, em gratidão ao santo, dar ao filho novo sobrenome. Aliado ao nome do pai, que foi acrescido ao seu após a morte dele, estava composto o nome que Antônio carregaria por toda a sua vida: Antônio Secundino de São José.

Aos nove anos, foi enviado para o Colégio Diocesano, dirigido por Maristas, na cidade de Uberaba.

Terminou o ginásio com 16 anos e, como já contava com alguma experiência no comércio de gado, sentia-se pronto para voltar ao trabalho da fazenda.

Sempre rápida em suas decisões, Dona Balbina resolveu que ele deveria sair da fazenda e continuar com seus estudos. A primeira decisão foi pelo Direito. Antônio, aos 17 anos, foi para Belo Horizonte, para se tornar advogado. Entre as várias recomendações que a mãe fizera, havia uma especial: visitar o padre Álvaro, ex-pároco de Patos de Minas e grande amigo da família, que havia sido transferido para Viçosa. Como as aulas na escola de Direito ainda não tinham começado, Antônio resolveu ir a Viçosa visitar o amigo.

Seria coincidência ou predestina-ção? Em Viçosa, nesse ano, abria-se a primeira turma da Escola Superior de Agricultura e Veterinária, a ESAV, obra maior de Arthur Bernardes. Antônio foi com o padre Álvaro visitar a escola, e foi amor à primeira vista, que durou a vida toda. Antônio decidiu ficar e ser agrônomo. Poucos esavianos tiveram tanto orgulho de sua escola.

Em 1931, aos 21 anos, era um agrônomo formado em busca de trabalho. Foi então convidado a trabalhar na organização do Instituto Agrícola de Maruípe, em Vitória, Espírito Santo, onde permaneceu até janeiro de 1933, quando foi convidado pelo Dr. Bello Lisbôa para ser professor assistente do Departamento de Agronomia da ESAV.

Em 1937, foi promovido a Chefe do Departamento de Genética, Experimentação e Biometria da ESAV e, nesse mesmo ano, com a ajuda do geneticista norte-americano, então diretor da escola, Dr. John B. Griffing, conseguiu uma bolsa para um período de treinamento, de seis semanas, em Stoneville Experiment Station , no Mississipi, e um curso de pós-graduação na Faculdade do Estado de Iowa. Aí Secundino conheceu Henry Wallace, seu grande incentivador.

Foi aluno do Dr. E. W. Lindstrom, um dos “grandes” do milho híbrido; aí conheceu de perto o que viria a ser um dos maiores amores de sua vida.

De volta ao Brasil, em 1938, Secundino organizou o Departamento de Genética Vegetal e escolheu como assistente Gladstone Drummond, que acabara de se formar, e com quem formou uma dupla de trabalho e amizade que duraria a vida toda. Secundino trouxera consigo, dos EUA, uma coleção de linhagens e cruzamentos do Corn Belt , que se mostraram completamente inadaptadas às nossas condições tropicais. Trouxera também uma preciosidade, a variedade de polinização aberta Tuxpan

Yellow Dent , que havia sido criada, há pouco tempo, pelo Dr. P. C. Mangeldorf, através de um composto em que entrava o Tuxpeño , do México.

Da variedade Tuxpan Yellow Dent surgiram várias linhagens, que, com outras, derivadas das variedades nacionais – “Catete”, “Xavier”, “Amarelão” – e outras, permitiram a composição dos primeiros híbridos comerciais do Brasil. Nenhum milho comercial havia sido produzido, até então, nos trópicos, e Secundino e Gladstone foram prevenidos de que, mesmo com experiências bem-sucedidas, o trabalho fracassaria comercialmente. “Os fazendeiros não estão preparados para levar avante um processo de cultivo tão sofisticado como o exigido por sementes híbridas”, diziam. Secundino, no entanto, não se deixou desanimar. Sempre otimista, afirmou: “Se lhes ensinarmos como fazer, farão direito”. O tempo diria quanto ele estava certo.

Em 1941, aceitou o convite para ser Secretário da Agricultura, Viação e Obras Públicas do Estado da Paraíba. Em 1942, foi contratado como assessor técnico da Comissão Brasileiro-Americana de Produção de Gêneros Alimentícios, ligada ao Ministério da Agricultura brasileiro e à organização americana General Mills , que se dedicava ao esforço de guerra.

Nesse trabalho, conheceu o americano John Ware. Tornaram-se grandes amigos e posteriormente sócios. Com o fim da guerra, desfez-se a comissão e, com a indenização recebida, Secundino deu o primeiro passo na busca do seu sonho. Em 19 de setembro de 1945, juntamente com Dr. Dee William Jackson, John Ware, Gladstone Drummond e Adylio Vitarelli, criou uma companhia dedicada a experiências com milho híbrido: “Agroceres Ltda.” Compraram uma pequena fazenda, de 65 hectares , em Goianá, no município de Rio Novo, MG.

Veio então uma fase igualmente difícil: convencer os agricultores desconfiados de que valia a pena pagar três vezes mais por uma semente híbrida. Por sorte, persuasão era o forte de Secundino. Enquanto Gladstone buscava híbridos cada vez mais adaptados, Secundino colocava os sacos de sementes que produziam em seu velho jipe e ia à luta.

Apesar do sucesso e do milho híbrido, o capital disponível era pequeno demais para que pudessem expandir a produção. Tinham que encontrar recursos, ou o sonho morreria antes de nascer completamente. Foi nesse momento que uma subsidiária da Fundação Internacional de Economia Básica  – IBEC, empresa finan-ciadora de projetos de desenvolvimento e conglomerado de administração, organizada pelo milionário americano Nelson Rockfeller, assinou contrato com Secundino para a produção de sementes híbridas.

Em 1947, aceitou o cargo de diretor da Escola Superior de Agricultura de Viçosa, a sua ESAV, onde permaneceu até 1951. Nesse ano, Secundino deixou, novamente, sua amada escola e retomou a chefia da Agroceres Ltda., para continuar perseguindo o seu sonho.

Foi membro vitalício da Associação dos Ex-Alunos desde 1935, quando ela foi criada. Presidiu-a de 1935 a 1938, de 1956 a 1958 e de 1968 até o fim de sua vida, e só motivos gravíssimos o impediam de estar em Viçosa em 15 de dezembro.

No mesmo ano de 1951, a Agroceres e a IBEC fundiram-se, gerando a Sementes Agroceres S/A, em que a sócia americana detinha a participação majoritária, mas a orientação e as operações continuavam inteiramente nas mãos de Secundino e de sua equipe. Esse acordo manteve a Agroceres no mesmo rumo anterior, mas com o capital necessário para expandir. Unidades foram construídas no Rio Grande do Sul, Paraná, São Paulo, Minas Gerais, Espírito Santo e Goiás.

Uma das máximas de Secundino era a de que “um homem cumpre suas promessas, não importa quanto isso lhe custe”. Respeitou-a sempre, mas a maior demonstração de quanto ela era, para ele, um princípio de vida foi a chamada “crise do Helmintosporium maydis ”, tido até então como sem importância. Uma mutação nele havida fez aparecer uma virulência terrível, que afetava tremendamente os milhos obtidos com a macho-esterilidade T. A Agroceres, consciente do mal que poderia advir, tirou do mercado as suas sementes, em 1971, e perdeu um ano de atividade comercial. O prejuízo financeiro foi enorme. Entretanto, esse custo valeu dois enormes créditos: primeiro, mais da metade dos cooperadores propuseram-se, voluntariamente, liberar a Agroceres do acordo de preço; segundo, o nome da empresa cresceu na confiança dos clientes. Era preciso produzir semente à moda antiga, com despendoamento à mão. Felizmente, tinha, em quantidade suficiente, as versões normais das linhagens e, com grande esforço, conseguiu produzir, no inverno, no Nordeste do Brasil, os cruzamentos simples “normais”, que, trazidos para o plantio em outubro, permitiram produzir sementes em 1972. Essa “volta por cima”, na crise, confirmava outras duas afirmações que Secundino gostava de fazer: “Se negociarmos honestamente com as pessoas, elas nunca nos abandonarão” e “O sucesso de qualquer organização está na sua gente”.

Esse foi Antônio Secundino de São José, o menino da Onça, que caminhou pela vida ganhando nomes e plantando sonhos. Soube honrar os primeiros e conseguiu colher os segundos. Todas as sementes que plantou geraram bons frutos. Se se conhece a árvore por seus frutos, foi uma árvore muito especial. Líder, carismático, leal, otimista e corajoso, soube lutar pelo que acreditava e nunca se acovardou diante de dificuldades. Tinha para esses momentos outra frase especial: “Se fosse fácil, qualquer um fazia”. Sua maior colheita, entretanto, foi, sem dúvida, a de amigos. Teve os maiores amigos, os mais dedicados que um homem poderia desejar.

Secundino tinha uma frase toda especial, como querendo expressar o seu último desejo: “Gostaria de ter em minha sepultura um pé de milho”. Um seu amigo especial, quase um filho, fez sua homenagem final. Em cima de inúmeras coroas de flores, em seu túmulo, colocou três lindas e perfeitas espigas de milho. Com certeza, Secundino não desejaria homenagem maior.

Lourival Pacheco
A Universidade Federal de Viçosa no Século XX.
Pág. 73-76. 2006. Ed. UFV.